A Civilização humana nasceu nas cidades. Nas cidades nasceu a Ciência, floresceu o comércio, fez-se política e fermentaram-se ideais. As cidades criaram filósofos e grandes líderes. Nas escolas e nas universidades, nas tascas e nos palcos criraram-se e fizeram-se cair regimes. Da Babilónia a Estrasbugo, passando por Atenas, Roma e sim, até Lisboa, várias cidades foram sendo os grandes centros nevrálgicos da Civilização, passando o testemunho conforme o tempo foi alterando a geopolítica mundial. O que sucederá, então, de nós enquanto a humanidade é obrigada a ficar às suas portas em nome da especulação imobiliária, do lucro imediato e do desinteresse dos alcaides, dos senhores do betão e do punhado de ilustres priveligiados que podem pagar os custos de vida no centro das cidades?
Diz-se que a humanidade se apinha nas cidades. Não é verdade. Os humanos entopem os subúrbios. Subúrbios e cidades são dois mundos muito distintos. Nas tascas dos subúrbios não se discute a Democracia nem a Arte. Quanto muito, futebol, se para tal ainda houver energia depois de horas passadas no trânsito. Nos subúrbios não há teatro de vanguarda nem cinema independente. Vestimos o fato-de-treino ao fim-de-semana e levamos os miúdos ao mega-centro comercial local. Nos subúrbios não há vizinhos nem sentimento de pertença porque o prédio tem vinte-e-quatro andares de desconhecidos que aparecem e desaparecem constantemente porque a flexibilização dos mercados de trabalho retirou a estabilidade dos empregos de outrora.
Os centros nervosos do nosso mundo morrem porque estão vazios dessa massa crítica que são os trabalhadores, as pessoas comuns. Esvaziam-se dando lugar apenas a velhos que alguém espera que morram para transformar as suas casas em mais um edifício de escritórios de vanguarda, que provavelmente ficará vazio porque nem as empresas já podem pagar os arrendamentos exorbitantes, ou num centro comercial de nome estrangeirado de lojas todas iguais, ou em apartamentos de luxo tão assépticos quanto estéreis de ideias são os fashionables que os habitam.
Quando se fala na baixa natalidade, na elevada taxa de divórcios, no insucesso escolar, pergunto-me o que significaria para alguém passar as duas, três ou quatro horas por dia que dispende no trânsito do dormitório de betão ao escritório e vice-versa com os filhos, mulher ou marido. Pergunto-me quanto livros e periódicos se poderiam ler mais. Pergunto-me se então continuaríamos a dar tanta importância a telenovelas, futebol e reality-shows, pergunto-me se a mesma corja de políticos continuaria no poder se dispuséssemos de mais tempo para aprender e pensar. Quando se fala de despesa pública e de défice descontrolado pergunto-me quanto se poderia poupar em quilómetros e quilómetros de betão e alcatrão suburbano se milhões de pessoas não fossem enterrados em subúrbios. Quando se fala em poluição pergunto-me porque se controem estes cogumelos de cimento em vez de se prolongarem as avenidas das cidades, pensando logo em bom saneamento, prolongamento das redes de transportes públicos, em espaços comerciais e culturais adequados, em hospitais e escolas.
Coloco todas estas questões mas esqueço-me de que alguém lucra muito com todo este betão. Se eu fosse autarca, o meu voto interessar-me-ia muito menos do que uma contribuição de campanha e mais mil fogos no meu concelho concentrados num espaço irrisório e que significam mais mil contribuições autárquicas. Esqueço-me também que auto-estradas, escolas e hospitais são pagos pelos contribuintes, logo, é como se fosse de borla, enriquecendo os privados que os contrói e gere. Se eu fosse arquitecto provavelmente também não me interessaria construir casas boas e baratas para o proletariado: o que ficaria mesmo bem é vender casas de luxo a tipos com um "De" antes do apelido que possam aparecer em revistas de personalidades.
Em nome do lucro imediato, o Capitalismo continua a despejar os problemas de agora no colo das gerações futuras. Se as houver, porque parecemos produzir tanta descendência quanto ideias. Não temos tempo nem espaço para isso.
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