Terça-feira, 9 de Agosto de 2011

XXI Ocidental - IV

Por mais que o desejem, por mais que o jurem os neo-liberais, por mais que culpem tudo e todos pelos seus insucessos (do estado social ao multiculturalismo), o capitalismo não é, nunca foi, nem será, sustentável. A aritmética do capital é simples: numa perspectiva neo–liberal, dois mais dois não são necessariamente quatro. Podem ser cinco, seis, ou zero, dependendo de onde sopram os ventos da especulação. No entanto, a aritmética real contradi–los: dois mais dois serão sempre quatro e assim, depois de sessenta anos de american dream, em que dois mais dois podia ser mudar de carro todos os anos, casa no subúrbio com piscina e consolas para os miúdos, eis que a matemática mais elementar chegou para cobrar. Afinal, o grande sonho americano, o grande horizonte capitalista não está ao alcance de maioria. A maioria, essa, endividou–se até ao tutano, deixou de pagar as contas e os juros do crédito que contraiu para se cercar de luxos inúteis e assim começaram a cair as empresas de crédito ao consumo. E depois os bancos que lhe emprestavam dinheiro. E por aí fora. Hoje, são os próprios países que estão em risco. É curioso pensar que o tal “efeito dominó” demonizado pelo senhor Kissinger afinal, não foi despoletado por ditaduras de loucos e genocidas que enterraram a esperança de milhões em Gulags e afins mas pela própria ilusão capitalista, se me é permitida esta fraca analogia.

 

A humanidade não pertence a ela própria. A humanidade pertence a uma elite. Esta elite não é de “esquerda” nem de “direita”, nem “democrata” nem “republicana” nem se identifica com “ismos”. Esta elite utiliza, isso sim, um “ismo” – o capitalismo – para exercer o seu domínio. Para esta elite, que detém, efectivamente, a quase totalidade da riqueza mundial, o resto da humanidade existe para a servir. O resto da humanidade é mão–de–obra e, simultaneamente, mercado. Nós, o resto, somos inferiores, o nosso propósito é a subserviência. Se existe fome, se existe miséria, se existe precariedade, para a elite, tal é um efeito secundário necessário para a manutenção do seu status, um fenómeno episódico que convém monitorizar e nada mais. Esta elite formou um grupo – arriscaria dizê–lo político se na verdade, não o soubéssemos acima de qualquer concepção de “política”. A democracia, para estes senhores, é algo com que as massas se entretêm para que se convençam de que são livres. A necessidade de financiar campanhas políticas e a eficácia dos grupos de pressão (ditos lobbies) garante–lhes o verdadeiro controlo sobre as nações. Colocaram–se de lado, para o efeito, rivalidades entre famílias, e criou–se o grupo Bilderberg, assim chamado pela localidade suíça onde ocorrem reuniões. Interessantemente, o tal senhor Kissinger tem sido o feliz cão–de–fila deste mesmo grupo. O capitalismo parece ser a ferramenta ideal para a manutenção do status deste grupo de poderosos, os verdadeiros senhores do universo: é apelativo – os humanos gostam de possuir e exibir as suas posses; é auto–sustentável ideologicamente – a grande maioria das pessoas prefere a ilusão de ser, um dia, parte da elite do que a certeza de que, levando uma vida honesta, poderão ter qualidade de vida garantida através de justiça social; e por fim, dinheiro cria dinheiro – quem é rico tem e terá as portas do mundo destrancadas, quem tem muito dinheiro, tem–nas escancaradas. Na prática, a receita é simples: privatiza–se tudo, garante–se um ensino de massas fácil, ilusório e estupidificante (veja–se Bolonha), tendo–se o cuidado de criar uma Ivy League para as elites que a possam pagar. O resto é o laissez faire capitalista e puro merchandising – é certo e sabido que as pessoas comuns mais depressa absorvem publicidade do que propaganda política. O sistema tem, contudo, falhas graves.

 

As elites, no seu conjunto umas poucas dezenas de famílias de todo o mundo, não foram, são, e dificilmente serão, afectadas pela crise financeira mundial. Ninguém lhes cobra mais impostos para cobrir défices e redistribuir a riqueza que andaram a acumular e cujo único propósito é a manutenção do status. Ninguém lhes pede para prestar contas pelo descalabro do sistema financeiro que divisaram e mantêm. Pelo contrário, estão cada vez mais ricos. O mercado económico dos comuns trabalhadores, esse, está cada vez mais depauperado de riqueza após a sangria desta para os bolsos da elite, ocorrido principalmente nos últimos sessenta anos, desde que os EUA tomaram conta do mundo (ou quase todo – mais do que uma questão ideológica, a questão soviética foi essencialmente geopolítica). Esta sangria de capital das classes média e inferiores, não apenas continua após a crise do sub–prime como aumentou com o pretexto dos défices avassaladores (e irrecuperáveis, convenhamos) que os países capitalistas acumularam para manter um estilo de vida que tanto apregoaram e que é, obviamente, insustentável. Assim, quando do que necessitávamos seria a redistribuição de riqueza pela humanidade, eis que as elites, recusando abrir a bolsa, forçaram governos a cobrar mais impostos à classe média, flexibilizar leis do trabalho, aumentar a precariedade laboral, entre outras medidas já bem conhecidas por todos nós. A curto prazo, poderá manter o capitalismo à tona de água – durante mais um ano, ou dois, ou três – mas não impedirá o navio de se afundar. A médio prazo (provavelmente mais curto do que se pensa), a massacrada e empobrecida classe trabalhadora deixará de poder consumir e sem consumo, não há economia de mercado. Onde estão, pergunta–se, as reformas que se adivinham necessárias: a tributação sobre as grandes fortunas, o fim dos paraísos fiscais, o controlo (ou eliminação) da especulação financeira (começando pelas agências de rating), o controlo dos custos das matérias–primas essenciais que tanto têm encarecido a produção primária à custa da cartelização (como no caso do petróleo), a implementação de um estado social justo em que se paguem (e bem) impostos mas onde saúde, segurança, transportes e educação sejam gratuitos para que sobre a quem trabalhe riqueza para poder comprar e assim manter um mercado saudável e auto–sustentável? Nada disto, contudo, foi feito. Pelo contrário, vivemos numa época de ditadura: ao invés do medo de uma qualquer polícia política temos agora o medo dos mercados e dos senhores do universo que os controlam. É a ditadura do dinheiro. É o capitalismo.

 

Esta elite, estes senhores do universo, apenas temem duas coisas – duas coisas apenas: 1789 e 1917. Estes dois números, ou melhor, duas datas, representam as duas únicas alturas em toda a história da humanidade em que foram derrotadas. É claro que antes tínhamos outras famílias, outros nomes para os senhores do universo mas as elites são as elites. O problema é que as pessoas são as pessoas. Um Rothschild e eu partilhamos o mesmo património genético. Eu não sou um senhor do universo nem quero sê–lo mas a mim, tal como a muitos outros, a paciência tende a esgotar–se. Aconteceu antes: em 1789 e em 1917. Robespierre e Estaline poderão ter enterrado o sonho mas os verdadeiros sonhos nunca morrerm. Pensem nisso, meus senhores. E paguem o que devem. 


publicado por Harpad às 23:57
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