...et à quoi bon?...
Pois muito bem, pela minha parte, sempre temos uma notícia boa no meio desta espécie de idade das trevas da mediocracia. A pergunta que aqui deixo (propositadamente em francês, apenas que que fique claro o elevadíssimo valor intelectual do autor), tem, no entanto, razão de ser.
Para a batalha franco-alemã que se avizinha, Hollande tem, à partida, uma grande desvantagem do seu lado: é francês. E o último francês a levar a melhor sobre um alemão nem sequer era bem francês mas sim um corso. O meu pessimismo pós-realista, em guerra feroz com o positivismo humanista, conseguiu no passado Primeiro de Maio, atravessar essa zona desmilitarizada que é corpo caloso e agora ocupa ambos os hemisférios cerebrais, pelo que, sou dado a pensar que entre o chauvin franciú e o nacional-capitalismo que caracteriza todo e qualquer político saído da antiga Europa de leste, dez vez pior sendo alemão, quem se vai tramar é esse mexilhão chamado Europa.
Talvez a melhor notícia do dia venha da Grécia: não pela subida dos greco-nazis (cuja mera definição faz tanto sentido quanto um vegan canibal) mas porque aqueles tipos, na sua postura mediterrânica perceberam que não se entendem, nem se vão entender e provavelmente nem o querem. Se a Grécia se transformar em rastilho, talvez assistamos ao nascimento de algo democraticamente diferente, ou anarca (extrema direita não creio...), pois é claro que os gregos estão fartos - de tudo e de todos e acima de tudo de partidos envelhecidos e institucionalizados que, como em todo o lado, nada fazem nem sabem como (nem o fariam se soubessem) para resolver os verdadeiros problemas dos povos. Talvez os gregos sejam os primeiros a perceber que precisamos de uma verdadeira democracia - pela segunda vez na história da humanidade - pelo que a que temos precisa de ser melhorada, afastada de políticos de merda, de corruptos, de tecnocratas, de medíocres em geral, e, acima de tudo, desse cancro que tudo corrói chamado capitalismo. E não me parece que o senhor Hollande detenha este tipo de clarividência.
E porque não nos jornais de cá?
Vale a pena ler este artigo de Mário Soares, entre outras coisas sobre a frau Merkel, cá referido pelo Económico.
O novo século trouxe uma nova guerra e uma nova arma. Esqueçam as bombas, da A à H. A nova arma é a especulação financeira. Para quem não percebeu: existe uma guerra entre os EUA e a China e a Europa é uma nova planície de Verdun. Os países da orla europeia, entenda-se os PIGS (nós, os gregos os espanhóis e os irlandeses), são os alvos mais fáceis, como se de fracas, velhas e obsoletas fortalezas nos tratássemos. A arma é simples: alguém especula que não conseguimos pagar as dívidas e lá vem o espectro do fim do Euro, da UE e da perda de uma enorme fonte de receita para os Chineses, que detêm a maior reserva da moeda fora da União. Um dia talvez que expliquem quem manda da Moody's e a soldo de quem, embora talvez as explicações não venham trazer nada de novo.
Agradecem os Coelhos Laranja que já salivam diante do trono do poder & seus amiguitos. Talvez até gostem da ideia de ter o FMI a mandar nisto em vez deles - é a suprema desresponsabilização. Como a carneirada como toda a erva que lhe atiram comentadores de treta e políticos oportunistas, co-adjuvados por uns carneiros pantomineiros que se auto-intitulam de jornalistas mas que não passam de jornaleiros, tudo é possível. Até mesmo, veja-se!, transformar uma crise gerada pelos mais básicos princípios capitalistas numa crise do estado social, numa altura em que mais necessitamos dele.
Patético continente este. Sem líderes, sem cérebros, sem europeus. Colonizados estamos desde o plano Marshall, colonizados continuaremos enquanto os líderes que nos regem preferirem ser as rameiras de potências estrangeiras a trabalhar com os antigos rivais de outras guerras.
Portuguese, Irish, Greeks, Spanish. PIGS. Isso mesmo: porcos. Eis como nos vêem os nossos paisanos da Europa nortenha dita civilizada, industrial, estável. O mediterranismo cria muita confusãozinha naquelas cabecitas nórdicas e centro–europeias. E agora fartaram–se nós e o ataque começa sob a forma da pior forma de especulação financeira. A Europa do eixo franco–alemão é um fracasso. Não só se relevou incapaz de escapar a uma crise começada no outro lado do Atlântico como, agora que nela estamos atolados até ao pescoço, consegue apresentar uma medida que seja para a resolver, se não contarmos, claro, com a artificialidade do défice de três porcento. A senhora Merkel e o senhor Bruni estão indignados com a Europa mediterrânica e o seu despesismo, a sua falta de produtividade e competitividade, no entato, é bom relembrar, que passaram uma década a pagar para que deixássemos de produzir para que não pudéssemos concorrer com a sua agricultura e a transformar–nos em mercado e fonte de mar–de–obra barata. De nada lhes serviu, convenhamos, os agricultores centro–europeus continuam na fossa por que não conseguem suportar os custos de produção sem venderem os seus produtos a preços que condenariam à fome os europeus e a produtividade franco–alemã muito se ressente de anos de capitalismo selvagem onde o conceito de investimento a longo prazo é tabu, incapaz de resistir à crise financeira mundial e ao assalto asiático. Fomos transformados, coma lânguida complacência do cavaquismo, no campo de golfe de alemães, franceses e ingleses, os mesmos que se indignam com a nossa falta de produtividade, os mesmos que nos pagaram para que deixássemos de ser competitivos. Afinal, tanta competência junta corre o risco de ser incapaz de salvar o próprio euro.
A União é uma excelente ideia empreendida por tontos. Tontos esses que desprezam o Sul com toda a sua aparente inércia, inépcia comercial, corrupção e caos a todos os níveis. Arrase–se a Grécia, mãe da nossa civilização. Destrua–se Portugal, que já era uma potência mundial quando muitos germânicos ainda tinham saudades de adorar ídolos de pau no meio dos bosques. Avizinha–se já o próximo alvo, a Espanha. Não se deveria preocupar tanto a senhora Merkel e afins: sobrevivemos ao nascimento e queda de um império com o qual os alemães apenas puderam sonhar, a meio século de ditadura fascista, a séculos de monarquia incompetente, ao pior sismo registado na Europa, sobrevivemos, imagine–se, a nós próprios. Cá estamos e, mesmo lutando contra o nosso intrínseco pessimismo, cá havemos de continuar, um dia de cada vez, um porcento do défice de cada vez, um mau governo de cada vez. Talvez até sobrevivamos ao capitalismo, essa aberração idealizada por medíocres ao dispor de medíocres que até consegue destruir países inteiros pela força da mais pura e abjecta especulação, para riqueza de uns e gáudio de outros.
Em 2006, um tipo cheio de razão e de modéstia que por acaso sou eu escreveu isto num dos seus antigos blogues. Para encher chouriço, aqui o deixo.
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