Se há característic aue irá caracterizar, para os futuros historiadores, o início deste nosso novo século é o total desgaste dos ideais. Começou como algo natural, por hábito e desinteresse, com o fim da Guerra Fria. Simplesmente, deixaram de fazer sentido, para gáudio dos que não pretendem pensar e dos que temem quem o faça. Não devemos confundir ideiais com ideias: ideias todos as têm, numa distribuição de carácter contínuo, da mais expepcionalmente inteligente até ao infinito da mais pura cagada. Sim, porque se há distinção entre a inteligência e a estupidez é que a primeira tem limites.
Não é difícil verificar, basta escutar as conversas de café, os jornais e, talvez mais importante ainda, os comentários do público comum e geral colocados na Internet ao suposto abrigo do anonimato, que o que resta dos idealismos, essas torrentes de ideias que moldaram o destino dos Homens ao longo dos séculos, está reduzido ao nível intelectual do confronto entre adeptos de clubes de futebol. Existe a "esquerda" e a "direita"como existem os "vermelhos" e os "azuis", para utilizar uma metáfora que bem entendemos. E a mediocridade geral que caracteriza a nossa classe política (dentro e fora do país e da Europa, entenda-se), reflecte isto mesmo. Veja-se bem: quem outrora defendeu a invasão "comunista" do Afeganistão defendeu com unhas e dentes a re-invasão do mesmo da forma idiota com que foi realizada e, ainda mais absurda, a do Iraque. Porque sim. Há quem se intitule comunista e defenda regimes fundamentalistas religiosos. Veja-se como se transformou uma crise do capitalismo numa crise do estado social: subitamente, as embrutecedoras políticas financeiras de "direita" viraram o problema para o "socialismo" que persiste ainda em alguns países (entre os quais, supostamente nós, como se alguma vez tivéssemos sido socialistas). Vejam como um pobre diabo, mal pago, endividado e perto de ser despedido para deslocalização da fábrica onde trabalha se revela um acérrimo defensor dos mesmos "ideais" que o enterram cada vez mais na base da pirâmide social.
Acabaram-se os "ismos" para bem de um "ismo" supremo. que, passo a passo, nos conduz ao vazio - o Capitalismo - ao vazio intelectual, ao vazio social e ao vazio individual. Já não somos seres que pensam mas entidades que compram. Somos clientes de empresas e estados, clones ávidos de comprar, ter e exibir dos quais artigos pouco ou nada precisamos mas que estimulam, tal como outros vícios, a libertação de endorfinas. Se surgir, nalgum ponto ou outro deste mundo, alguma réstea de um ideal que se lhe oponha, surge um coro de vozes ofendidas e ofensivas, odiosas, mesmo, de cajados e bastões na mão dispostos a defendê-lo. Estamos onde nos querem: por mais pobres, por mais injustiçados, por mais despojados que sejamos dos direitos que aqueles que lutaram por outros "ismos" nos deixaram por herança, somos já capazes de injuriar, odiar e porque não, no futuro talvez até de matar pelo Capitalismo.
Percebe-se bem de onde vem tanta confusão, apesar de tudo. Veja-se como um bando de medíocres destruiu o sonho de milhões debaixo das ruínas do Muro de Berlim e enviou a esperança para o Gulag. Veja-se como os tipos que se auto-proclamam os vencedores da Guerra Fria, em nome da paz e da liberdade invadem, torturam, mentem e escutam as conversas de tudo e todos com total complecência do seu próprio povo, a quem os ideais nunca disseram fosse o que fosse. Os ideais são coisas dos europeus. E os europeus estão em coma. Terminou a era da luta pela justiça social, da luta por uma sociedade que sirva a maioria.
Harpad© 2014