Ainda sobre o Pingo Doce, há que salientar que podemos estar na presença um de dois recorrentes fenómenos da lógica capitalista: ou o grupo do SDS praticou dumping, o que constitui (ainda) uma crime punível pela lei portuguesa, ou (tcha-rããã!) detém, tal como os restantes hipers, margens de lucro brutais.
Aparentemente, exceptuado quatro (!) produtos, o grupo do SDS tem, de facto, margens de lucro que chegam a rondar os 80%, o que constitui, efectivamente, uma prova indelével da ética capitalista, aprovada, apoiada e propagandeada pela ideologia neo-liberal. Eis, portanto um "vencedor".
Num mundo melhor, sem tanto empreendedorismo (adoro esta palavra!) capitalista, portanto, utópico, ridículo, retrógrado e essas coisas todas, essa margem de lucro seria reduzida para que os produtores pudessem receber mais pelos seus produtos e ainda sobraria boa margem para que os clientes finais pagassem menos por eles.
...sem falar de pagar dignamente aos seus empregados, sobre os ombros dos quais este tipo e a sua família sustentam a sua enorme riqueza...
Ao contrário do que muito se discute nos dias de hoje, creio que a famosa iniciativa de promoções empreendida pelo Pingo Doce no passado 1º de Maio foi um acontecimento bastante positivo, pois fez incidir sobre nós, povo, a magnânime luz da realidade. Em primeiro lugar, há que louvar o próprio Soares dos Santos (SDS), ou quem quer que da sua esfera de doutos pensadores, pela brilhande ideia de realizar o evento nesse preciso dia. Num outro dia dia qualquer seria simplesmente acusado de "dumping". Assim, conseguiu, ao mesmo tempo, irritar o Belmiro, agrilhoar os seus trabalhadores (perdão, colaboradores, que isso de "trabalhar" é feio) e transformar a celebração do dia do trabalhador numa patacoada que, às costas dos jornaleiros do costume (sim, leram bem), reduziu as notícias do dia (e seguintes) à promoção de uma cadeia de lojas. Conseguiu até fazer com que os deputados se sentissem livres para discutir contas de supermercado na Assembleia da República quando, anteriormente, o pudor lhes permitia apenas passar as manhãs a rabiscar a lista de legumes, acepipes e champô para a caspa, a levar para casa no fim do dia (antes escrevia-se a lista de compras num pedaço de cartão rasgado de um maço de SG Gigante, hoje os deputados podem até tuitár sobre a promoção de fraldas para incontinentes do Pão de Açúcar).
No entanto, O SDS, conseguiu mais, muito mais do que reduzir o dia do trabalhador a publicidade gratuita à cadeia de supermercados a que preside. Conseguiu demonstrar que o dia que marca a luta dos trabalhadores pelos seus direitos de nada vale. Salazar nunca conseguiiu tanto: limitou-se a proibir a coisa. O SDS conseguiu ridicularizá-la. Conseguiu demonstrar que os portugueses, esses pobrezinhos, coitaditos, não passam de carneiros de que elites dispõem como entendem. Este é tembém é o tipo que não há muito tempo queria criar cursos (pagos do seu próprio bolso... o mãos largas!) para ensinar os seus "colaboradores" a gerirem os seus ordenados humilhantes.
Agora imaginemos o seguinte: cem euros representa uma boa soma, demasiado grande para os bolsos dos verdadeiramente necessitados. Seguramente muitos destes não poderão dispender tanto dinheiro de uma só vez. Quem terão sido, então, os principais clientes do SDS no primeiro de Maio? Em boa parte, talvez uma classe média com medo do amanhã. Talvez. Mas das lojas voram também garrafas de bebidas espirituosas. Muitos clientes admitiram que gastaram ali muito mais dinheiro do que alguma vez pensariam e boa parte em merdices que pouca falta lhes fazem. O que aconteceu, então? Simples: mais uma vez, lá foram os carneiros armados em xicos-espertos, para onde os mandou o pastor.
Promoções? Méééé. Austeridade inevitável? Méééé. A culpa é do Sócrates? Méééé. Fio dental extra encerado com efeito branqueador agora apenas a um euro e noventa e nove? Méééé.
Aquilo que o SDS fez foi medíocre, pensado por um medíocre para outros medíocres. O governo da santíssima trindade Portas-Coelho-Relvas (PCR) não compreende o exagero: afinal é uma estratégia de negócio perfeitamente limpa. E é. Tal como a agiotagem do FMI, tal como as negociatas com activos tóxicos (lembram-se, despoletou esta crise - não a dívida soberana), tal como pagar odenados de treta, tal como mover sedes para paraísos fiscais, tal como comprar um jacto para uso particular mas facturá-lo à empresa para fugir aos impostos. Tudo isto é legítimo. Tudo isto é medíocre. Tudo isto é Capitalismo e, convenhamos, o Capitalismo assenta muito muito bem aos carneiros.
Harpad© 2014