É isto.
É exactamente isto que sente o rasca do autor deste blog e que já sentia no dia da manifestação, sentimento provavelmente partilhado por outras poucas centenas de milhar de rascas, à rascas e à rasquinhas.
Foi interessante ter participado nesta manifestação despois de ter, há já tanto tempo atrás, ter participado numa outra em que um jornaleiro medíocre apelidou, a mim e á minha geração de "rasca". Foi ainda mais interessante por ter reunido tanta e tão variada gente, num acontecimento que fez quase desaparecer partidos, sindicatos e outros costumeiros abutres do bate-pé político. Duas coisas importantes ficam: 1) muita gente está farta do "sistema" (gostei particularmente de ver, muitos e muitos manifestante anti-capitalismo, inclusivamente) e 2) as massas ainda vivem. Não somos ainda carneiros. Politiqueiros, comentadeiros e outros medíocres que se cuidem. Os que estão no poleiro e os outros. Fica ainda uma nota sobre o saudável humor e pacifismo da manifestação e um louvor para quem a "organizou".
Eis-nos aqui especados, com o problema diante dos nossos olhos, contudo sem o ver. Atentem bem nas notícias correntes e meditem um pouco: empresas de bens comuns batem recordes de lucro – bancos, petrolíferas, e outras – os ricos deste e doutros países estão cada vez mais ricos. Nós, cada vez mais precários. E assim estamos e assim continuaremos para contribuição unânime em favor de uma causa comum: aumentar a margem de lucro de uns poucos.
Mentem-nos quando nos falam de crise, enganam-nos quando nos enchem os ouvidos de “competitividade”, “flexisegurança”, “empreendedorismo” e outros convenientes termos que justificam o injustificável. Enquanto existir capitalismo, não existirá justiça social. Somos simultaneamente mercado e mão-de-obra barata. Pudéssemos comprar sem receber e teríamos o sistema garantido.
Amanhã manifestar-nos-emos, na presença de partidos que nada nos dizem ou fizeram por nós, sindicatos aos quais nem podemos pertencer, queixosos vários de motivos diversos e outros oportunistas. Nós, os filhos do meio da sociedade, não temos ideias, ideais ou líderes. Se nos dessem a escolher, contudo, votaríamos pela lei do capital pois preferimos as ilusões do capitalismo à segurança da noção de que o estado deve servir a maioria e ao princípio básico do socialismo: cada homem deve receber aquilo que o seu trabalho merece. Não vamos, contudo, exercer alguma vez tal escolha ou mesmo considerá-la. Somos filhos do capitalismo e estamos intoxicados pelos seus brindes.
Eu não sou rasca. Estive presente, contudo, na precisa ocasião em que nasceu esse termo. Não sou parvo. Não sou ignorante. Os comentadores políticos e doutos economistas e outros velhos charlatães de bons cargos e vencimentos que nada desconfiam das reais trincheiras da nossa sociedade nada me dizem, nada têm para me dizer e não lhes reconheço sapiência ou inteligência acima da minha própria, modesta que seja. Amanhã, ou hoje, dependendo da hora a que ainda escrevo este fútil texto, gostaria de ver uma manifestação sem políticos, sem polícias, sem opinadores, sem Jéis nem Falâncios, sem Deolindas, sem o politicamente correcto ou outros símbolos inconsequentes da nossa falta de ideais. Apenas nós. Porque se fôssemos apenas nós, mesmo que em absoluto silêncio, poderíamos demonstrar ao mundo inteiro que não somos gado: temos os olhos bem abertos e vemos tudo o que nos fazem.
Harpad© 2014