Por mais que o desejem, por mais que o jurem os neo-liberais, por mais que culpem tudo e todos pelos seus insucessos (do estado social ao multiculturalismo), o capitalismo não é, nunca foi, nem será, sustentável. A aritmética do capital é simples: numa perspectiva neo–liberal, dois mais dois não são necessariamente quatro. Podem ser cinco, seis, ou zero, dependendo de onde sopram os ventos da especulação. No entanto, a aritmética real contradi–los: dois mais dois serão sempre quatro e assim, depois de sessenta anos de american dream, em que dois mais dois podia ser mudar de carro todos os anos, casa no subúrbio com piscina e consolas para os miúdos, eis que a matemática mais elementar chegou para cobrar. Afinal, o grande sonho americano, o grande horizonte capitalista não está ao alcance de maioria. A maioria, essa, endividou–se até ao tutano, deixou de pagar as contas e os juros do crédito que contraiu para se cercar de luxos inúteis e assim começaram a cair as empresas de crédito ao consumo. E depois os bancos que lhe emprestavam dinheiro. E por aí fora. Hoje, são os próprios países que estão em risco. É curioso pensar que o tal “efeito dominó” demonizado pelo senhor Kissinger afinal, não foi despoletado por ditaduras de loucos e genocidas que enterraram a esperança de milhões em Gulags e afins mas pela própria ilusão capitalista, se me é permitida esta fraca analogia.
A humanidade não pertence a ela própria. A humanidade pertence a uma elite. Esta elite não é de “esquerda” nem de “direita”, nem “democrata” nem “republicana” nem se identifica com “ismos”. Esta elite utiliza, isso sim, um “ismo” – o capitalismo – para exercer o seu domínio. Para esta elite, que detém, efectivamente, a quase totalidade da riqueza mundial, o resto da humanidade existe para a servir. O resto da humanidade é mão–de–obra e, simultaneamente, mercado. Nós, o resto, somos inferiores, o nosso propósito é a subserviência. Se existe fome, se existe miséria, se existe precariedade, para a elite, tal é um efeito secundário necessário para a manutenção do seu status, um fenómeno episódico que convém monitorizar e nada mais. Esta elite formou um grupo – arriscaria dizê–lo político se na verdade, não o soubéssemos acima de qualquer concepção de “política”. A democracia, para estes senhores, é algo com que as massas se entretêm para que se convençam de que são livres. A necessidade de financiar campanhas políticas e a eficácia dos grupos de pressão (ditos lobbies) garante–lhes o verdadeiro controlo sobre as nações. Colocaram–se de lado, para o efeito, rivalidades entre famílias, e criou–se o grupo Bilderberg, assim chamado pela localidade suíça onde ocorrem reuniões. Interessantemente, o tal senhor Kissinger tem sido o feliz cão–de–fila deste mesmo grupo. O capitalismo parece ser a ferramenta ideal para a manutenção do status deste grupo de poderosos, os verdadeiros senhores do universo: é apelativo – os humanos gostam de possuir e exibir as suas posses; é auto–sustentável ideologicamente – a grande maioria das pessoas prefere a ilusão de ser, um dia, parte da elite do que a certeza de que, levando uma vida honesta, poderão ter qualidade de vida garantida através de justiça social; e por fim, dinheiro cria dinheiro – quem é rico tem e terá as portas do mundo destrancadas, quem tem muito dinheiro, tem–nas escancaradas. Na prática, a receita é simples: privatiza–se tudo, garante–se um ensino de massas fácil, ilusório e estupidificante (veja–se Bolonha), tendo–se o cuidado de criar uma Ivy League para as elites que a possam pagar. O resto é o laissez faire capitalista e puro merchandising – é certo e sabido que as pessoas comuns mais depressa absorvem publicidade do que propaganda política. O sistema tem, contudo, falhas graves.
As elites, no seu conjunto umas poucas dezenas de famílias de todo o mundo, não foram, são, e dificilmente serão, afectadas pela crise financeira mundial. Ninguém lhes cobra mais impostos para cobrir défices e redistribuir a riqueza que andaram a acumular e cujo único propósito é a manutenção do status. Ninguém lhes pede para prestar contas pelo descalabro do sistema financeiro que divisaram e mantêm. Pelo contrário, estão cada vez mais ricos. O mercado económico dos comuns trabalhadores, esse, está cada vez mais depauperado de riqueza após a sangria desta para os bolsos da elite, ocorrido principalmente nos últimos sessenta anos, desde que os EUA tomaram conta do mundo (ou quase todo – mais do que uma questão ideológica, a questão soviética foi essencialmente geopolítica). Esta sangria de capital das classes média e inferiores, não apenas continua após a crise do sub–prime como aumentou com o pretexto dos défices avassaladores (e irrecuperáveis, convenhamos) que os países capitalistas acumularam para manter um estilo de vida que tanto apregoaram e que é, obviamente, insustentável. Assim, quando do que necessitávamos seria a redistribuição de riqueza pela humanidade, eis que as elites, recusando abrir a bolsa, forçaram governos a cobrar mais impostos à classe média, flexibilizar leis do trabalho, aumentar a precariedade laboral, entre outras medidas já bem conhecidas por todos nós. A curto prazo, poderá manter o capitalismo à tona de água – durante mais um ano, ou dois, ou três – mas não impedirá o navio de se afundar. A médio prazo (provavelmente mais curto do que se pensa), a massacrada e empobrecida classe trabalhadora deixará de poder consumir e sem consumo, não há economia de mercado. Onde estão, pergunta–se, as reformas que se adivinham necessárias: a tributação sobre as grandes fortunas, o fim dos paraísos fiscais, o controlo (ou eliminação) da especulação financeira (começando pelas agências de rating), o controlo dos custos das matérias–primas essenciais que tanto têm encarecido a produção primária à custa da cartelização (como no caso do petróleo), a implementação de um estado social justo em que se paguem (e bem) impostos mas onde saúde, segurança, transportes e educação sejam gratuitos para que sobre a quem trabalhe riqueza para poder comprar e assim manter um mercado saudável e auto–sustentável? Nada disto, contudo, foi feito. Pelo contrário, vivemos numa época de ditadura: ao invés do medo de uma qualquer polícia política temos agora o medo dos mercados e dos senhores do universo que os controlam. É a ditadura do dinheiro. É o capitalismo.
Esta elite, estes senhores do universo, apenas temem duas coisas – duas coisas apenas: 1789 e 1917. Estes dois números, ou melhor, duas datas, representam as duas únicas alturas em toda a história da humanidade em que foram derrotadas. É claro que antes tínhamos outras famílias, outros nomes para os senhores do universo mas as elites são as elites. O problema é que as pessoas são as pessoas. Um Rothschild e eu partilhamos o mesmo património genético. Eu não sou um senhor do universo nem quero sê–lo mas a mim, tal como a muitos outros, a paciência tende a esgotar–se. Aconteceu antes: em 1789 e em 1917. Robespierre e Estaline poderão ter enterrado o sonho mas os verdadeiros sonhos nunca morrerm. Pensem nisso, meus senhores. E paguem o que devem.
Interrogo-me frequentemente quem terá nomeado os doutos políticos, jornalistas, economistas e outros especialistas que nos bombardeiam em cadência horária com as suas opiniões, comentários e razões. Todos opinam, todos se fundamentam com o quer que lhes pareça conveniente mas a verdade, a história, essa, permanece intocada, encerrada no seu túmulo.
A essência do neo-liberalismo é o curto-prazo. Na verdade, este é o único conceito que as massas entendem. O lucro que preciso, hoje. O carro novo que quero, hoje. O belo tacho, hoje. Enfim, pode-se resumir esta essência numa palavra bem portuguesa: o Desenrascanço. As causas políticas e sociais do estado de Portugal, da Europa e do mundo capitalista em geral são também assim justificadas, diante da vista grosseira do curto-prazo.
Para os comentadores, tudo é simples. O país está doente. A causa: Sócrates. A solução: privatizar o que se pode privatizar, flexibilizar o mercado de trabalho, enfim deixar cair o estado social e transformar o mercado de trabalho num antro de precariedade. Mas já lá iremos. O pensamento neo-liberal, como já referi, é totalmente incapaz, por natureza, de formar um raciocínio numa escala de tempo mais alargada do que o prazo de governo. Esquecem-se os comentadores, no entanto, de vários dados importantes:
1) Quem nos transformou num paraíso da mão-de-obra barata para os empresários alemães foi o douto Cavaco, actual PR. Previsivelmente, para todos com mais testa do que o vulgar capitalista, o alargamento da UE a lesta trouxe, a médio prazo (lá está), um mercado de trabalho apetecivelmente mais barato. Será difícil recordar o fecho, quase diário de fábricas pertencentes a multinacionais centro-europeias há alguns anos atrás? Quantas vezes vimos os telejornais abrirem a sua emissão com imagens dos trabalhadores desolados à entrada de uma qualquer fábrica têxtil de onde os patrões, em muitos casos, tinham já retirado o equipamento sem que os operários soubessem sequer das intenções de encerramento? A culpa foi do Guterres? Do Sócrates? Não.
2) Caro precário: quem inventou os recibos verdes não foi o PS. Foi o PSD, mais uma vez, nas mãos do douto Cavaco.
3) Para continuar a falar deste senhor, convém relembrar que foi durante os seus mandatos que assisti a cargas da polícia sobre manifestantes. Exemplos: secos e molhados. Também foi graças a este senhor e à senhora Ferreira Leite que fiquei conhecido como “rasca” (sim, eu estava lá, mas não mostrei nenhuma parte impúdica de mim mesmo). Fala-se hoje de manipulação da imprensa. Esquecemo-nos dos falados telefonemas de um tal de Marques Mendes para a RTP?
4) A nossa economia não está na mão do estado. Muito menos nas mãos dos trabalhadores. Ao contrário do que pensa um fedelho qualquer do CDS que não me lembra agora o nome, não vivemos num PREC nem mesmo pós-PREC. A nossa economia continua a pertencer aos Mellos, Champalimauds, Espírito-Santos, Azevedos, Martins, e outros mais ou menos brasonados que já se sentavam à mesa do Estado Nove e que simultaneamente o alimentavam e dele se nutriam. Fugiram de medo com o 25 de Abril para viver vidas de exílio faustoso no Brasil, para regressarem pelas mãos do senhor Soares, com uma generosa recompensa monetária, diga-se. Estes senhores estão cada vez mais ricos. Quem tem dúvidas tenha a bondade de consultar as estatísticas dos mais ricos de Portugal reveladas recentemente. Curioso ninguém questionar estes clãs sobre a sua responsabilidade na economia e negócios deste país. Curioso também que a ninguém pareça obsceno que estes senhores enriqueçam desmesuradamente enquanto a classe média se encolhe. Curioso que ninguém se indigne com a mudança da Sede do Pingo Doce para a Holanda, para que assim o dinheiro dos clientes portugueses sirva apenas para o pecúlio dos contribuintes holandeses. Ninguém pergunta também, se a economia este tão má e se é preciso flexibilizar o mercado de trabalho, porque motivo os bancos de cá continuam a bater recordes de lucro e têm tantas benesses fiscais. Talvez devêssemos também perguntar sobre os esquemas de mascarar lucros através de pseudo-empresas subsidiárias, constantemente em falência técnica, de que se blindaram os grandes grupos económicos para não pagar impostos. Curiosos que esta gente venha regularmente, e principalmente através dos PSDs, exigir que se precarize ainda mais a mão-de-obra quando, aparentemente, dinheiro não lhes falta o luxo. São os nossos intocáveis, medrosos apenas da memória dos dois únicos casos, em toda a história da humanidade, em que os verdadeiramente poderosos verdadeiramente perderam: 1789 e 1917. Enoja-me pensar que um partido dito socialista também nada tenha feito para contrariar os todo-poderosos mas não me surpreende quando nem Guterres nem Sócrates os tiveram no sítio sequer para fazer frente aos seus próprios "boys".
5) “Devemos pagar devidamente aos trabalhadores pois eles são os consumidores”. Não, não foi Marx quem o disse. Nem Engels. Nem Lenine, Trotski, Cunhal ou mesmo Robespierre. Quem o disse foi um dos maiores capitalistas de todos os tempos, um tal de Henry Ford. Um indivíduo modelar enquanto empreendedor, ao conseguir encher-se de dinheiro nazi antes da entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial e, depois disso, dos contribuintes norte-americanos, cerca de 400 000 mil dos quais nunca regressaram à sua terra. Este pressuposto há décadas que foi esquecido e recalcado, mesmo depois da crise de ’29, causada pela falta de escoamento de produtos norte-americanos para um Europa em ruína absoluta. Mais uma, o pensamento a curto-prazo em acção: hoje aumenta-se o IVA, corta-se nos salários, obriga-se o cidadão comum a pagar por saúde, educação e transportes privados. Parece interessante mas alguém se deve estar a esquecer do efeito a médio prazo que retirar poder de compra aos cidadãos-comuns irá colapsar o comércio do qual toda a economia depende.
6) Porque quer, assumidamente ou não, a direita o FMI? Simples: trata-se da peça que faltava para o paraíso governativo. Já lhes cheira a maioria absoluta, têm um presidente amigo ou que, no mínimo, não chateia, podem culpar tudo no Sócrates e fazer nada pela qualidade de vida dos cidadãos dizendo que nada podem fazer, que o FMI manda e o BCE quer. Quem ganha com isto? Os PSDs e a nata da sociedade por trás deles (vede acima).
7) Salazar era um gajo tão porreiro e liderou tão bem que um milhão de Portugueses se foi embora do país, seguramente sem o intuito de ensinar ao resto do mundo o benzito que se fazia em Portugal. É também curioso pensar que esses senhores e os descendentes constituem uma amostrinha do mais conservadorzito e retrógrado que por aí anda. Andam também por aí uns mentecaptos que dizem que isto estava melhor antes do 25 de Abril. Nem antes do 25 de Abril nem há 20 anos atrás. Éramos no tempo da Velha senhora e da maioria absoluta do senhor Dom Cavaco, mais acomodados, sem as chatices de eleições, oposições sem ter direito a essa suprema complicação que é a capacidade de pensar. Aparentemente, o comodismo faz muita gente feliz.
8) Foi um golpe de génio, há que admiti-lo: transformar uma crise do capitalismo numa crise do estado social. O senhor Daniel Bessa que me desculpe, mas não lhe reconheço mais inteligência, sapiência ou outra ciência do que a mim próprio para engolir esta e outras. Não interessa, contudo. Façamos as contas a todos os défices de todos os países capitalistas do mundo e percebamos que vivemos num castelo de cartas que mesmo com este tipo de tapa-remendos não tem mais do que uma geração de vida. Seria dispensável mas parece inevitável: ninguém aceita reformas no sistema económico nem os ricos deixam que lhes vão aos bolsos. Enquanto isso, a riqueza continua a desaparecer dos mercados até ao final rebentar da bolha.
9) Criar ricos gera pobreza. Lamento mas é uma verdade aritmética. Um mais um são dois, independentemente de o capitalismo permitir que possam ser três, quatro ou mesmo zero, conforme a disposição dos mercados. Para alguém ter dois euros num mercado com três para três pessoas, há alguém que se fode. No mundo em que vivemos, isso resolve-se pedindo dinheiro emprestado. Até quando? Quem duvidar que atente nas causas da crise: a falência do pequeno crédito, usado pelo cidadão-comum norte-americano para se abastecer das futilidades apregoadas como parte do “american dream” precisamente porque não pode pagar esse mesmo sonho que, afinal, não passa de um grande embuste.
10) Há uma geração inteira à rasca. E uma outra que teve o 25 de Abril porque um punhado de militares lhes ofereceu. Seguiram-se os tachos na função pública, nas melhores empresas, as reformas, uma vida confortável. E nós, seus filhos? Comemos com os recibos verdes, as bolsas, o desemprego, os call-centers, essa aberração que é o "out-sourcing" e na volta ainda os contratos "orais" de que andou para aí a falar o betinho que aparentemente vai ser o fututo PM.
11) Nós somos nada. Somos mão-de-obra barata. Somos mercado de futilidades. Somos precários. E para quê? Para aumentar a margem de lucro de uns poucos. E somos burros. Muito burros. Burros porque nos aborrece pensar. Burros porque deixamos outros pensar por nós. Burros porque os políticos que deixamos que nos liderem são medíocres, tal como os que se lhes opõem. Sim, porque não é a esquerda "chic" da brigada anti-gravata (espécie de antecâmara dos PSDs) nem o repetivismo norte-coreano quem vai agregar os descontentes deste país, ou outros. Neste século não há cérebros nem líderes. Apenas cegos, à beira de um barranco.
Resta-me contratular por ninguém se interessar por nada do que aqui escrevo. Se vivêssemos no tempo da Velha Senhora, estaria já a caminho do Aljube.
A História é cíclica. Parece repetir-se com um movimento pendular. O século XXI inicia-se em moldes semelhantes aos do século que lhe precedeu: a sociedade voltou ao falso puritanismo, ao conservadorismo, ao louvor da riqueza e da posse e até ao nacionalismo. Libertas do fardo da Guerra Fria e do inevitável debate "esquerda"/direita" que despoletou, as massas renegaram os ideais e tornaram-se sedentas de luxo. A sangria de riqueza dos mercados para os bolsos de poucos levaram milhões a endividar-se, afinal, numa tentativa de perseguir vã de perseguir o Grande Sonho Capitalista que lhes é prometido pelo menos desde a XX Grande Guerra. O resultado é uma Crise, aparentemente uma de entre muitas apregoadas como bandeiras de propaganda política (e como justificação da inépcia). Dir-se-iam consecutivas, embora esta pareça mais real e mais forte.
A abstenção aumenta em todos os países desenvolvidos. Por todo o lado despontam críticos mas não verdadeiros pensadores. Os novos meios de comunicação, ao invés de se tornarem veículos de ideais e ideais são refúgios solitários onde poucos escapam à regra do anonimato porque a tal luxo se podem dar. Existem represálias, sim. Casos não faltam, murmurados pelos cantos dos jornais. Anos antes seriam considerados verdadeiros escândalos, de momento ninguém se interessa. Agora não são necessárias polícias políticas mas apenas uma sociedade perfeitamente capaz de se auto-censurar com tenacidade. A liberdade perde valor, a democracia nada significa para muitos que dela usufruem. De bom grado ambas são trocadas pela ilusão do Grande Sonho.
Os verdadeiros valores foram esquecidos. Longe dos tempos de fome, os habitantes do mundo civilizado pouco se interessam pelo social, por tudo o que não seja imediatamente satisfatório, pelo vizinho. Não há líderes, apenas críticos e oportunistas. A política democrática, ao invés de estar nas mãos dos povos está entregue a um grupo de políticos profissionais que vieram substituir a aristocracia de tempos idos mas que representa, ainda e sempre, os interesses da burguesia. Longe dos tempos de fome? A história repete-se, convém lembrarmo-nos. Pela primeira vez em muito tempo existe uma geração de jovens trabalhadores de países desenvolvidos com menos qualidade de vida, e futuro, do que os seus pais. Crise? A História repete-se. E mesmo quando esta crise se encontra prevista desde 1847 .
Não consigo deixar de julgar extraordinário o modo como um uníssono coro de vozes se ergue no ar para defender o Capitalismo cada vez que um acontecimento abana as frágeis fundações deste castelo de cartas em que vivemos. Do mais iletrado dos viciados em telemóveis ao supremo intelectual neo–liberal há toda uma fauna que teme que venham os malvados dos comunas, outra vez, chocalhar o nosso plácido charcozinho. De todos os regimes sócio–económicos que existiram, exceptuando o nacional–socialismo, pois nada há de mais medíocre do que crer que os seres humanos se dividem em “raças” e que entre estas umas são superiores, o Capitalismo é o único que depende integralmente da mediocridade humana. Se os seres humanos fossem intrinsecamente bons viveríamos em Anarquia, sem necessidade de leis, governos ou fronteiras. Até o Feudalismo seria auto–sustentável, com um lorde justo, empreendedor e respeitador da vontade da plebe. Mas não o Capitalismo. O Capitalismo não só fomenta a mediocridade como se alimenta dela. Depende da ganância, da avareza, da sede de dinheiro, poder e de bens de consumo. Especular sobre o preço de bens de primeira necessidade, prejudicando o seu acesso aos méis desfavorecidos é ser–se medíocre. Especular sobre os preços dos terrenos, forçando milhões para longe das cidades em direcção a subúrbios inertes, é ser–se medíocre. Deslocalizar uma empresa condenando centenas e milheres ao desemprego para conseguir mão–de–obra barata, é ser–se medíocre. Preterir–se mão–de–obra qualificada ou recusar pagá–la com o valor que merece é ser–se medíocre. Despedir uma mulher que engravida é ser–se medíocre. Privatizar a saúde e a educação, tornando–as acessíveis apenas a uma elite, é ser–se medíocre. Consumir desenfreadamente e atolar a família em dívidas para esse efeito, é ser–se medíocre. Recusar aumentar os salários dos trabalhadores e comprar um novo automóvel desportivo, é ser–se medíocre. Forçar os contribuintes a pagar uma autoestrada e entregar a sua gestão a um privado que nada investe mas tudo recebe, é ser–se medíocre. Impedir o acesso a medicação barata, é ser–se medíocre. Dizer–se que não deve existir segurança social porque não se quer dar dinheiro a pobrezinhos, é ser–se medíocre. Um sistema que esgota a riqueza em circulação ao acumulá–la nos bolsos de poucos, obrigando famílias a endividar–se para comprar merdas de que não necessitam até não poderem pagar os empréstimos e assim gerar uma reacção em cascata de falências nos sistema financeiro, é medíocre. Um sistema que depende de catástrofes financeiras para repor a riqueza no mercado, é medíocre. Um sistema que depende da exploração de povos e países para deles extrair riqueza continuamente para compensar o endividamento e a inflação, é medíocre. Um sistema em que o humanista crítico é um pária ou, pior, um comunista, e o espertalhão um grande líder, um economista genial, é medíocre. Achar que o Capitalismo é auto–sustentável supera ser–se medíocre, é ser–se estúpido, é ser–se ignorante. Os intelectuais neo–liberais é muito que se esforçam por nos convencer de que Capitalismo e Democracia são a mesma coisa. Não são. O Capitalismo é muito superior: a sua existência demonstra que somos capazes de trocar o livre–pensamento por uma consola de jogos.
Harpad© 2014