Interrogo-me frequentemente quem terá nomeado os doutos políticos, jornalistas, economistas e outros especialistas que nos bombardeiam em cadência horária com as suas opiniões, comentários e razões. Todos opinam, todos se fundamentam com o quer que lhes pareça conveniente mas a verdade, a história, essa, permanece intocada, encerrada no seu túmulo.
A essência do neo-liberalismo é o curto-prazo. Na verdade, este é o único conceito que as massas entendem. O lucro que preciso, hoje. O carro novo que quero, hoje. O belo tacho, hoje. Enfim, pode-se resumir esta essência numa palavra bem portuguesa: o Desenrascanço. As causas políticas e sociais do estado de Portugal, da Europa e do mundo capitalista em geral são também assim justificadas, diante da vista grosseira do curto-prazo.
Para os comentadores, tudo é simples. O país está doente. A causa: Sócrates. A solução: privatizar o que se pode privatizar, flexibilizar o mercado de trabalho, enfim deixar cair o estado social e transformar o mercado de trabalho num antro de precariedade. Mas já lá iremos. O pensamento neo-liberal, como já referi, é totalmente incapaz, por natureza, de formar um raciocínio numa escala de tempo mais alargada do que o prazo de governo. Esquecem-se os comentadores, no entanto, de vários dados importantes:
1) Quem nos transformou num paraíso da mão-de-obra barata para os empresários alemães foi o douto Cavaco, actual PR. Previsivelmente, para todos com mais testa do que o vulgar capitalista, o alargamento da UE a lesta trouxe, a médio prazo (lá está), um mercado de trabalho apetecivelmente mais barato. Será difícil recordar o fecho, quase diário de fábricas pertencentes a multinacionais centro-europeias há alguns anos atrás? Quantas vezes vimos os telejornais abrirem a sua emissão com imagens dos trabalhadores desolados à entrada de uma qualquer fábrica têxtil de onde os patrões, em muitos casos, tinham já retirado o equipamento sem que os operários soubessem sequer das intenções de encerramento? A culpa foi do Guterres? Do Sócrates? Não.
2) Caro precário: quem inventou os recibos verdes não foi o PS. Foi o PSD, mais uma vez, nas mãos do douto Cavaco.
3) Para continuar a falar deste senhor, convém relembrar que foi durante os seus mandatos que assisti a cargas da polícia sobre manifestantes. Exemplos: secos e molhados. Também foi graças a este senhor e à senhora Ferreira Leite que fiquei conhecido como “rasca” (sim, eu estava lá, mas não mostrei nenhuma parte impúdica de mim mesmo). Fala-se hoje de manipulação da imprensa. Esquecemo-nos dos falados telefonemas de um tal de Marques Mendes para a RTP?
4) A nossa economia não está na mão do estado. Muito menos nas mãos dos trabalhadores. Ao contrário do que pensa um fedelho qualquer do CDS que não me lembra agora o nome, não vivemos num PREC nem mesmo pós-PREC. A nossa economia continua a pertencer aos Mellos, Champalimauds, Espírito-Santos, Azevedos, Martins, e outros mais ou menos brasonados que já se sentavam à mesa do Estado Nove e que simultaneamente o alimentavam e dele se nutriam. Fugiram de medo com o 25 de Abril para viver vidas de exílio faustoso no Brasil, para regressarem pelas mãos do senhor Soares, com uma generosa recompensa monetária, diga-se. Estes senhores estão cada vez mais ricos. Quem tem dúvidas tenha a bondade de consultar as estatísticas dos mais ricos de Portugal reveladas recentemente. Curioso ninguém questionar estes clãs sobre a sua responsabilidade na economia e negócios deste país. Curioso também que a ninguém pareça obsceno que estes senhores enriqueçam desmesuradamente enquanto a classe média se encolhe. Curioso que ninguém se indigne com a mudança da Sede do Pingo Doce para a Holanda, para que assim o dinheiro dos clientes portugueses sirva apenas para o pecúlio dos contribuintes holandeses. Ninguém pergunta também, se a economia este tão má e se é preciso flexibilizar o mercado de trabalho, porque motivo os bancos de cá continuam a bater recordes de lucro e têm tantas benesses fiscais. Talvez devêssemos também perguntar sobre os esquemas de mascarar lucros através de pseudo-empresas subsidiárias, constantemente em falência técnica, de que se blindaram os grandes grupos económicos para não pagar impostos. Curiosos que esta gente venha regularmente, e principalmente através dos PSDs, exigir que se precarize ainda mais a mão-de-obra quando, aparentemente, dinheiro não lhes falta o luxo. São os nossos intocáveis, medrosos apenas da memória dos dois únicos casos, em toda a história da humanidade, em que os verdadeiramente poderosos verdadeiramente perderam: 1789 e 1917. Enoja-me pensar que um partido dito socialista também nada tenha feito para contrariar os todo-poderosos mas não me surpreende quando nem Guterres nem Sócrates os tiveram no sítio sequer para fazer frente aos seus próprios "boys".
5) “Devemos pagar devidamente aos trabalhadores pois eles são os consumidores”. Não, não foi Marx quem o disse. Nem Engels. Nem Lenine, Trotski, Cunhal ou mesmo Robespierre. Quem o disse foi um dos maiores capitalistas de todos os tempos, um tal de Henry Ford. Um indivíduo modelar enquanto empreendedor, ao conseguir encher-se de dinheiro nazi antes da entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial e, depois disso, dos contribuintes norte-americanos, cerca de 400 000 mil dos quais nunca regressaram à sua terra. Este pressuposto há décadas que foi esquecido e recalcado, mesmo depois da crise de ’29, causada pela falta de escoamento de produtos norte-americanos para um Europa em ruína absoluta. Mais uma, o pensamento a curto-prazo em acção: hoje aumenta-se o IVA, corta-se nos salários, obriga-se o cidadão comum a pagar por saúde, educação e transportes privados. Parece interessante mas alguém se deve estar a esquecer do efeito a médio prazo que retirar poder de compra aos cidadãos-comuns irá colapsar o comércio do qual toda a economia depende.
6) Porque quer, assumidamente ou não, a direita o FMI? Simples: trata-se da peça que faltava para o paraíso governativo. Já lhes cheira a maioria absoluta, têm um presidente amigo ou que, no mínimo, não chateia, podem culpar tudo no Sócrates e fazer nada pela qualidade de vida dos cidadãos dizendo que nada podem fazer, que o FMI manda e o BCE quer. Quem ganha com isto? Os PSDs e a nata da sociedade por trás deles (vede acima).
7) Salazar era um gajo tão porreiro e liderou tão bem que um milhão de Portugueses se foi embora do país, seguramente sem o intuito de ensinar ao resto do mundo o benzito que se fazia em Portugal. É também curioso pensar que esses senhores e os descendentes constituem uma amostrinha do mais conservadorzito e retrógrado que por aí anda. Andam também por aí uns mentecaptos que dizem que isto estava melhor antes do 25 de Abril. Nem antes do 25 de Abril nem há 20 anos atrás. Éramos no tempo da Velha senhora e da maioria absoluta do senhor Dom Cavaco, mais acomodados, sem as chatices de eleições, oposições sem ter direito a essa suprema complicação que é a capacidade de pensar. Aparentemente, o comodismo faz muita gente feliz.
8) Foi um golpe de génio, há que admiti-lo: transformar uma crise do capitalismo numa crise do estado social. O senhor Daniel Bessa que me desculpe, mas não lhe reconheço mais inteligência, sapiência ou outra ciência do que a mim próprio para engolir esta e outras. Não interessa, contudo. Façamos as contas a todos os défices de todos os países capitalistas do mundo e percebamos que vivemos num castelo de cartas que mesmo com este tipo de tapa-remendos não tem mais do que uma geração de vida. Seria dispensável mas parece inevitável: ninguém aceita reformas no sistema económico nem os ricos deixam que lhes vão aos bolsos. Enquanto isso, a riqueza continua a desaparecer dos mercados até ao final rebentar da bolha.
9) Criar ricos gera pobreza. Lamento mas é uma verdade aritmética. Um mais um são dois, independentemente de o capitalismo permitir que possam ser três, quatro ou mesmo zero, conforme a disposição dos mercados. Para alguém ter dois euros num mercado com três para três pessoas, há alguém que se fode. No mundo em que vivemos, isso resolve-se pedindo dinheiro emprestado. Até quando? Quem duvidar que atente nas causas da crise: a falência do pequeno crédito, usado pelo cidadão-comum norte-americano para se abastecer das futilidades apregoadas como parte do “american dream” precisamente porque não pode pagar esse mesmo sonho que, afinal, não passa de um grande embuste.
10) Há uma geração inteira à rasca. E uma outra que teve o 25 de Abril porque um punhado de militares lhes ofereceu. Seguiram-se os tachos na função pública, nas melhores empresas, as reformas, uma vida confortável. E nós, seus filhos? Comemos com os recibos verdes, as bolsas, o desemprego, os call-centers, essa aberração que é o "out-sourcing" e na volta ainda os contratos "orais" de que andou para aí a falar o betinho que aparentemente vai ser o fututo PM.
11) Nós somos nada. Somos mão-de-obra barata. Somos mercado de futilidades. Somos precários. E para quê? Para aumentar a margem de lucro de uns poucos. E somos burros. Muito burros. Burros porque nos aborrece pensar. Burros porque deixamos outros pensar por nós. Burros porque os políticos que deixamos que nos liderem são medíocres, tal como os que se lhes opõem. Sim, porque não é a esquerda "chic" da brigada anti-gravata (espécie de antecâmara dos PSDs) nem o repetivismo norte-coreano quem vai agregar os descontentes deste país, ou outros. Neste século não há cérebros nem líderes. Apenas cegos, à beira de um barranco.
Resta-me contratular por ninguém se interessar por nada do que aqui escrevo. Se vivêssemos no tempo da Velha Senhora, estaria já a caminho do Aljube.
Aparentemente, os males do mundo foram gerados pelo Socras, essa mefistofélica encarnação. A crise, a inflação, a deflacção, a cripe do porco, das aves e de outros animais domésticos, da chuva, da seca, dos buracos no orçamento e na estrada. Estou convencido que fiquei sem acesso à Rede este fim-de-semana por culpa desse senhor. Disso e talvez um pouco de pé-de-atleta também. No PSD já se cheira a poder. Até a corja da Vintena Maravilha de empresários, génios de Portugal, já pôs as anteninhas de fora para atirar postas de pescada sobre como gerir o país, como se por acaso tivessem esses senhores sido eleitos por alguém e como se por acaso tivessem mais direito a expressão do que qualquer eleitor deste país. As pessoitas desta terra devem andar esquecidas, ou então serão burritas mesmo, assim se entende desde que elegeram a figurinha que nos serve de PR. Devem ter-se esquecido de quem inventou os recibos verdes. De quem enviou para o mais profundo dos oblívios a cultura e a ciência e de quem foi a célebre ministra da educação que, anos antes da maluquinha com problemas hormonais (e não só) que rege tão importante pasta (e o seu respectivo cão de guarda) cilindrou a voz dos profesores e dos estudantes. Deve o povinho ter-se esquecido quem foi o governo que desperdiçou mundos e fundos da UE quando os havia em abundância para que ficássemos todos a ver países como a Espanha e a Irlanda passarem-nos à frente em todos os aspectos possíveis e imaginários. Lembremo-nos qual o partido que nos colocou na fotografia dos Açores. Quando dissermos que o Socras quer controlar os media lembremo-nos do Marques Mendes e os tão falados telefonemas para a RTP há uns anos atrás, caso que nunca foi explicado. O problema do actual PM é a arrogância? Não, meus caros a mais arrogante figurinha que tomou o poder nas últimas décadas é agora PR e na altura gostávamos tanto dele que lhe renovámos a maioria absoluta.
Os laranjinhas, entre conferências de imprensa a atacar o Socras, devem rezar a todos os anjinhos em agradecimento por não estarem no poder em plena crise económica internacional. Eles sabem, e melhor do que nós, povo bruto, alguma vez saberemos, que não têm qualquer resposta para a crise. Eles sabem, aliás, que se chegarem ao poder antes da crise passar Portugal enterrar-se-á de uma maneira de modo profunda que irá fazer do pós-Grande Guerra uma época de bonança. Sim, eles sabem. O PSD, no entanto, não é um verdadeiro partido político mas sim uma associação de cidadãos para benefício individual. O PSD existe para servir os seus militantes, não tem ideais nem verdadeiras ideias. Existe para distribuir tachos, cunhas e benefícios. Quem não acreditar que veja o que fazem antigos ministros e secretários de estado: quantos estão a liderar empresas privadas construídas com dinheiro dos contribuintes. Como já alguém disse, o PSD é um partido de poder, esta é a sua verdadeira identidade e razão de existência. O PS não é muito melhor, mas o termo "Socialista" pelo menos ainda tem o condão de atrair um ou outro medíocre com algumas preocupações sociais.
Pensemos, portanto, pensemos bem naquilo em que nos estamos a meter. No que me toca, não deposito esperança em seja o que for ou sem seja quem for. Ninguém se interessa e ninguém parece fazer uso do encéfalo. Até os americanos parecem tê-lo feito: eles entenderam o que se deve fazer quando ocorre uma crise do Capitalismo. Neste continente, pelo contrário, rumámos alegremente para a direita para gáudio de Merkels, Sarkozys, Browns, Berlusconis e até de Durões, uma amostra dos mais medíocres líderes que a Europa conseguiu parir em muito, muito tempo. Pensando bem, se calhar merecemos tudo aquilo que nos cai em cima. Nós cá da aldeia e o resto dos europeus.
Harpad© 2014